quinta-feira, 9 de dezembro de 2010



A solidão e eu trocávamos olhares. Às vezes eu a esperava e nós conversávamos. Ela acabou por se afeiçoar a mim de tanto me encontrar, e, a sua maneira, resolveu me pedir em casamento. Assinei o contrato. Eu estava ciente, e, pela falta de opções, decidi continuar. Muito embora as pautas de negociação tenham sido cada dia mais complexas - devido a inflação do ego, os reajustes emocionais estiveram sempre nos centros dos conflitos. As sucessivas campanhas para que ela me contasse o que se passava, que frequentemente eram acompanhadas por greves de "verdades", terminaram derrubando o que eu pudesse estar pensando. O que falta é um pouco menos de silêncio e isolamentos limítrofes - protestei. Cedendo às pressões do hábito de ócio, ela retrucou: O que falta é um pouco menos de tempestades que façam cair alucinados os pássaros dos ninhos de seus quintais - escutei. Imaginem só o cenário, concluímos. A essa altura, o céu havia se jogado em cima de nós, tentando consolar-nos com um terno abraço. Havíamos passado a noite contemplando uma constelação de estrelas ateias que nos interrompiam para que não brigássemos outra vez. Vimos astros vestidos de farrapos, sem as máscaras de encantadores nem as bijuterias finas. Devaneios de muitos sobreviventes. Pena que a gente não os entenda antes de nos ferirmos. A razão entrecortava nossas conjecturas, famosa por sacudir os nossos pensamentos com a força de furacões destemperados. Nossos espíritos desorganizados soluçavam como michês das madrugadas frias. Pelas causas perdidas, pelo credo não respeitado, pelas nacionalidades e idiomas, que naquela situação, nada tinham de estrangeiro. O medo nos seguia de olhar agateado, com passos invisíveis de expectativas. Num mio rouco que cochichava e ria. Por um instante, ocorreu-me a ideia de que se conseguíssemos abandonar nossas fantasias, não sem antes dar oportunidade a realidade, deixaríamos cair nossas máscaras de pele. A minha, de carrasco reconfigurado. E a sua, de fada madrinha de aparência chinfrim. Inseparáveis. O destino deixou-nos manusear a caneta o quanto quiséssemos, para que reescrevêssemos a nossa história. E a que encontramos em torno de nós já não era aquela que havíamos deixado.

' Pipa

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